Entre Duas Portas
Entre Duas Portas
Ele não lembrava exatamente quando começou a sentir que o mundo era um palco sujo. Talvez tenha sido no enterro do amigo, aquele que morreu tentando salvar uma criança e que, em troca, ganhou apenas silêncio e uma cova rasa. Talvez tenha sido no dia em que viu na televisão um homem sorrindo com correntes de ouro, rico por crimes que nunca pagou. Ou talvez tenha sido apenas a soma de todos os dias, cada um mais amargo que o outro.
Naquela noite, ele sonhou com um corredor. Um espaço estreito, frio, com o chão rachado como se tivesse sido feito às pressas. À esquerda, uma porta de ferro escuro, de onde vinha um riso debochado, o riso do acaso. À direita, uma porta branca demais, quase brilhando, mas que não emitia som algum — apenas um silêncio pesado, autoritário.
No meio, ele.
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O riso o chamava. Dizia que tudo era sorte, que nada importava, que a bondade era apenas uma fantasia inventada para manter os fracos ocupados. “Veja os canalhas prosperarem”, sussurrava a porta. “Veja os homens justos morrerem cedo. O caos é rei. O destino é só um dado lançado sem ninguém para segurar a mão.”
Já o silêncio não ria. O silêncio apenas esperava, como quem não precisa justificar nada. Dizia, sem dizer, que tudo tinha um plano, que mesmo a dor era parte de uma engrenagem maior, invisível, impossível de compreender. E dentro desse silêncio havia um peso sufocante: a exigência de fé cega. “Não questione”, ecoava. “Aceite. Obedeça.”
Ele sentia o coração se partir. Não confiava em nenhum dos dois lados. O riso parecia zombar da sua dor, cuspir na memória das vezes em que tentou fazer o certo. O silêncio parecia tão cruel quanto — prometer sentido, mas nunca entregar explicação.
Então percebeu: talvez o erro fosse acreditar que havia escolha. Talvez ninguém realmente pudesse decidir. Talvez todos andassem pelo mesmo corredor, iludidos por portas que nunca se abrem, até que os pés parassem de andar sozinhos.
Nesse instante, sentiu o peso de ser humano: acordar todos os dias, amar sem garantia de retorno, trabalhar sem garantia de recompensa, sonhar sem garantia de futuro. Caminhar, sempre caminhar, até o fim.
Ele respirou fundo, olhou para ambas as portas e, pela primeira vez, não pediu nada. Nem justiça, nem destino. Apenas seguiu andando no corredor, sabendo que o riso e o silêncio o acompanhariam até o último passo.
Por: LegendZilla.
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