O Espelho Partido - Um conto sobre identidade, vazio e a sensação de que nada tem recompensa

 

O Espelho Partido

Um conto sobre identidade, vazio e a sensação de que nada tem recompensa

Olhei para o espelho e, por um instante, a imagem não parecia minha. Não era só o cansaço, as olheiras fundas ou a boca sem expressão. Era algo além: como se o reflexo tivesse se cansado de fingir que valia a pena.

Passei anos acreditando que ser correto era como acumular pontos invisíveis, uma moeda secreta que mais cedo ou mais tarde se transformaria em justiça. 

Trabalhei em silêncio, evitei conflitos, cedi quando poderia ter lutado. Mas o espelho hoje me devolveu a conta: nada mudou, nada melhorou, ninguém apareceu para recompensar a paciência.

De repente, vi uma rachadura atravessar o vidro. Primeiro fina, depois mais larga, até cortar meu rosto em dois. De um lado, o eu que acreditava em sentido, que esperava do mundo uma ordem secreta.

 Do outro, o eu que apenas ria da própria ingenuidade, que via a vida como um jogo injusto onde os canalhas prosperam e os justos colecionam cicatrizes.

Toquei o vidro, mas a rachadura se multiplicou, espalhando linhas tortas como veias negras. Quanto mais tentava segurar, mais pedaços caíam no chão.

 Foi aí que percebi: o espelho não quebrou por acidente. Ele só refletiu o que eu já era por dentro — fragmentado, dividido entre acreditar e desistir.

Recolhi um dos cacos. Dentro dele, meu olho ainda me encarava, firme, quase desafiador. E nesse olhar havia uma verdade cruel: viver não é sobre ser recompensado, é sobre suportar.

O espelho partido apenas revelou aquilo que o mundo nunca me contou: que talvez a recompensa nunca venha. E que ainda assim, eu teria que continuar.


Por: LegendZilla.

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