A Lua Veio Me Buscar
A Lua Veio Me Buscar
Acordei no meio da noite com o peito apertado. Não era insônia, nem pesadelo. Era como se alguma coisa estivesse me chamando de fora do corpo. Fui até a janela. A rua lá embaixo parecia morta. Casas sem luz, postes apagados, o mundo como um cenário abandonado depois de um sonho ruim.
Mas lá no céu, a lua.
Enorme. Irreal. Inchada como se tivesse crescido demais, pronta pra explodir. Ela não era branca. Era acinzentada, suja de poeira, quase viva. Como se estivesse cansada de fingir ser só uma bola bonita no céu.
E tinha nuvens dançando ao redor dela, mas não era uma dança leve. Era como véus tentando esconder um rosto que já tava exposto demais. Eu não sabia se elas tentavam cobrir ou revelar.
Foi aí que escutei o barulho.
Primeiro, fraco. Um zunido abafado, como um avião bem distante. Mas não era avião. Eu sabia. Aquele som mudava, se moldava, se aproximava. O som ganhava hélices, batidas ritmadas, barulho de helicóptero, como se o céu estivesse sendo rasgado em rotações.
E eles vinham da direção da lua. Pequenos pontos pretos, como moscas atraídas por uma luz que não era delas. E conforme se aproximavam, vinham em espiral, girando em volta da lua como se orbitassem uma coisa viva, hipnotizados, condenados.
A cada giro, pareciam maiores. Mais próximos. Mais barulhentos.
Um deles passou tão perto que senti o vento atravessar minha pele. Mas não fez barulho de verdade. Era mais como se o som estivesse dentro da minha cabeça, reverberando entre os pensamentos que eu finjo não ter.
A espiral continuava. Mais helicópteros surgiam. Uns voavam tortos. Outros tremiam no ar, como se não fossem feitos de metal, mas de memórias ruins, culpas antigas, fragmentos de coisas que eu evitei lembrar.
E eles vinham. Não importava se eu fechava a janela. Não importava se eu me deitava e me cobria até o pescoço. Eles vinham.
Da lua. Da minha cabeça. Do passado. De todos os lugares ao mesmo tempo.
Um deles parou no ar. Fixo, girando as hélices lentas, flutuando exatamente na direção dos meus olhos. Ele tinha luzes, mas elas não iluminavam nada. Só piscavam no ritmo do meu coração — como se estivesse sincronizado com o que eu sentia e não queria admitir.
E aí eu entendi.
Eles não estavam me seguindo. Eles estavam me buscando.
A lua era uma porta. Um farol. Um abismo que sorria.
E aqueles helicópteros eram os cobradores.
As partes de mim que eu deixei esquecidas.
A versão de mim que eu joguei fora quando decidi fingir que tava tudo bem.
Eles me encontraram.
Eu não lembro do que aconteceu depois.
Só sei que agora, toda vez que olho pro céu e vejo a lua cheia, ela parece me reconhecer.
Me encara como se soubesse que eu já fui dela.
E talvez ainda seja.
Por: legendZilla.
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